A Tecnologia na Medicina

A Tecnologia na Medicina

Meu nome é Zuleika Kessin de Sales, solteira com 28 anos.
Esta manhã, antes da minha hora habitual de acordar para o
trabalho, fui surpreendida por uma dor no lado direito do peito,
fiquei preocupada, com aquela dor sem explicação e senti uma
angústia que me desequilibrou.
Em vez de ir trabalhar, decidi procurar uma Clínica, onde
poderia encontrar um médico, de nome, que me despertasse
confiança. Durante o percurso fui pensando nos médicos dos
nossos avós que pareciam pertencer às famílias.

Lembrei daqueles médicos que atendiam vestidos de branco
e que conversavam com os clientes olhando nos olhos e
ouvindo o histórico da evolução patológica do estado do
paciente, ouvia fazendo relatórios das histórias dos pacientes,
mesmo que levassem horas, mas a atenção era o principal
objetivo do médico. Os mais jovens viam nesses médicos, uma
simbiose de pai, amigo e um anjo protetor de suas saúdes,
gerando assim uma confiança absoluta nas palavras destes
médicos. Esses médicos não só curavam as dores do corpo,
mas também as dores da alma, isto porque suas imagens eram
como verdadeiros placebos, talvez mais importantes do que
os próprios remédios receitados, dada a confiança que estas
figuras representavam para os clientes. As pessoas se sentiam
importantes quando se consideravam pacientes de um destes
doutores, repetindo varias vezes, o doutor fulano me curou.
Outra dizia: eu já estava desenganada quando fui ao Doutor
Ciclano e hoje estou viva graças ao Doutor Ciclano. E assim
fui relembrando aqueles tratamentos dados aos clientes por
aqueles doutores, criando em mim a esperança de reencontrar
na Clínica um daqueles tipos de Doutores. Pensava em
encontrar um Doutor que me ouvisse com muita atenção e
carinho tudo que eu estava precisando falar, um Doutor, que
curasse a minha dor! Não apenas a do meu corpo, mas também
da minha alma…Que me transmitisse paz, tranquilidade, calma
e equilíbrio, pensando assim, já me sentia aliviada e mais
tranquila.

Eis que cheguei na Clínica. Um aspecto arquitetônico de
primeiro mundo, toda atapetada, um luxo de dar inveja a uma
suíte presidencial em Dubai.
Chegando à recepção, fui atendida pela recepcionista, que
com uma voz autoritária, foi logo perguntando….
Qual o seu plano?
O meu plano. Que plano?
Plano de saúde, é claro, porque aqui, só atendemos o Plano
A, o Plano D e o Plano G. Fora desses Planos só atendemos
com dinheiro em espécie.
Aquela resposta puramente material monetária, deveria ser
outra, já que se tratava de receber um paciente que estava
debilitado psiquicamente.
Apresentei meus documentos dizendo que não tinha plano
de saúde. A recepcionista nem olhou meus documentos, nem
se interessou em saber nada sobre mim e nem meu estado
patológico sintomático. Mas já tinha a resposta na ponta da
língua. Se quiser ser atendida por esta Clínica terá que pagar
em espécie R$ 400,00, se não tiver o dinheiro, por favor não
insista. E continuou a fazer os seus trabalhos burocráticos sem
me dar a atenção que tanto esperava.

Pensei e perguntei se aceitava cheque, mas antes de
terminar a minha frase, seu “não” já havia ecoado.
Como tinha o dinheiro, resolvi pagar a consulta, na
esperança de encontrar um Doutor mais humano que eu tanto
precisava. E assim aguardei a ser chamada.
Ao ser chamada, me senti aliviada, pois ia ser atendida por
um Doutor, pensando que ele curaria qualquer tipo de dor.
Entrei e quando olhei vi o meu doutor na frente da tela do
computador ao lado de sua mesa principal. Estava tão
concentrado que nem me olhou. Levei um susto ao ver de
lado aquele rosto trancado, sem a mínima empatia, com
aspecto de cansado. Pensei comigo será que o doutor está
sentindo alguma coisa? Não tinha um semblante alegre,
provavelmente devido a algum problema. Dei um bom-dia, mas
não ouvi a resposta. Olhei o ambiente bem decorado.
De repente ouvi a sua voz….”O que a senhora sente?” Como
eu gostaria que ele me olhasse, mas permaneceu de lado.
“ Eu? Ah! Hoje As 06:00h apareceu uma dorzinha no lado
direito do peito e uma angústia que está me atormentando”
Esperei a sua reação. Pensando que ia conversar e
auscultar o meu coração, me examinar, pedir algumas
informações familiares e me conhecer.
Permaneceu de lado sem me olhar e para a minha surpresa,
nem me olhou, apenas começou a digitar apressadamente.
Enquanto eu estava vagueando, nos meus pensamentos,
eis que recebo em tom imperativo:
– “Eis aqui sua requisição” –
Quase desmaiei ao ver aquela requisição, digitada em um
computador e o olhar vago e cansado do doutor que me
entregou e disse:
– ”Faça todos esses exames para descobrir sua patologia
e indicar todos os medicamentos, nos seis meses necessários
de tratamento, para a cura de sua doença”-.

Quando li, fiquei apavorada, estaria eu tão próxima de
morrer? A ponto de precisar fazer Ressonância magnética,
Tomografia computadorizada, cintilografia, ultrassonografia,
eletroencefalograma, biopsia viceral, alaparatomia abdominal,
curetagem no útero, mamária, Hemograma completo; no
sangue, creatinina, linfócito T e B, dopamina, melatonina da
menstruação, composição do líquido da coluna, análise de
fezes e urina, com antibiograma.
Ai meu Deus! Que desespero!! Eu só conhecia um tal de
“Raio X dos pulmões”…Só sabia que existiam exame de fezes
e de urina.
Estaria eu à beira da morte? Sem chances de cura? Iria
morrer assim tão de repente? Naquele instante a terra se abriu
para mim, pensei em perguntar ao doutor, porque aqueles
exames todos? Mas ele não me deu chances. Senti falta do
calor humano, para aquecer aquele frio na coluna que estava
sentindo. E agora, o que fazer com essa sensação de vazio?
Lembrei do juramento do “Pai da Medicina”, Hipócrates feito
pelos médicos, que me fazia pensar que, “a arte da medicina
está em observar”.
Será que o juramento dele está ultrapassado? Devo
compreender que Médico não é sacerdote…Tem família e todos
os problemas inerentes ao ser humano…

Mas eu precisava que ele ouvisse a minha história.
Precisava que ele me examinasse. Naquela hora quaisquer
sinais de doenças que ele encontrasse em mim, iria me aliviar
pelo lado psicológico. Precisava que ele alimentasse a minha
mente e o meu coração, com qualquer patologia, que
justificasse o meu estado. Aí senti falta daquele médico antigo,
de seus ouvidos para me escutar, das suas mãos para me
examinar, do seu olhar compreensivo e amigo, do seu pensar,
do seu sorriso que mitigava a minha dor e me rejuvenescia.

Onde está aquele “calor”, tão necessário para o exercício
da medicina, num preâmbulo de “amor”, quando os médicos
nos recebiam, com os braços abertos e um sorriso,
procedimentos esses, que eram assimilados como um
placebos?

Nota:
A medicina está mecanizada e mercenária. Precisamos
trazer de volta aqueles antigos doutores, que em cada consulta,
ia nos tornando mais amigos e familiares.
Não deixemos que a tecnologia destrua o romantismo dos
relacionamentos.

Praia do Forte 30 de dezembro de 2012

Charrir Kessin de Sales – OJÉNNA